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Do procedimento para responsabilização no âmbito da Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Necessidade de observância do devido processo legal

Idenilson Lima da Silva [1]

Eduardo Parente dos Santos Vasconcelos [2]

Hugo de Pontes Cezario[3]

 

1. Introdução

 

É imperioso reconhecer que os diversos temas e problemas do contencioso administrativo, no Brasil, ainda carecem de solução legislativa e doutrinária. E esse dado objetivo se explica, em parte, pela razão histórica de que há certo desrespeito, por parte do Estado, para com os direitos da comunidade protegida.

Decorrente desse desrespeito, há o manifesto temor de influências e ingerências do governante sobre os integrantes da jurisdição administrativa que, como se sabe, dependem da boa vontade governamental para serem conduzidos ou reconduzidos.

Esse problema fica ainda mais evidente quando as entidades responsáveis pela fiscalização e julgamento dos gestores estão pressionadas por resultados, seja pela opinião pública, seja pela classe política.

Nesse contexto, ao nosso ver, encontra-se a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, autarquia de natureza especial[4], que desde 2015 tem sofrido pressões seja por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Fundos de Pensão, instalada na Câmara dos Deputados, seja através de fiscalizações realizadas pelo Tribunal de Contas da União, por exemplo, Acórdão TCU – Plenário 864/2016.

Ocorre que o processo sancionador, por si só, ostenta conteúdo aflitivo tanto na publicidade deletéria ao patrimônio moral da pessoa quanto nos encargos e custos que acarreta, sem falar nos riscos que oferta aos seus destinatários. Destarte, há de se ter muito cuidado e critério na autuação de técnicos e dirigentes sob jurisdição administrativa.

Este artigo tem o escopo de avaliar os procedimentos adotados pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC no seu mister fiscalizatório, notadamente no que se refere à responsabilização dos seus jurisdicionados.

 

2. O DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR

 

Inicialmente, deve-se destacar que a função fiscalizatória da PREVIC está inserida no ramo do denominado pela doutrina como Direito Administrativo Sancionador.

Em tais casos, o Poder Público, sob o manto de seu poder de império, elege condutas que, se praticadas pelo administrado, podem ser sancionadas pelo próprio Estado, que passa a impor sanções a fim de desestimular a prática social de atos proibidos.

Nessa toada, constata-se que há, nestas hipóteses, franca aproximação dos institutos previstos no Direito Penal, campo no qual o Estado abebera o seu direito administrativo de sancionar. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina:

Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta (MELLO, 2013, p. 863/864, grifos nossos).

Destaca, ainda, o autor, com sua maestria costumeira, que o direito administrativo sancionador não existe para causar “aflição, um mal, objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela nocividade de sua conduta” (MELLO, 2013, p. 865). A finalidade, isso sim, é “despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade” (idem). Transcreve-se o seguinte trecho da doutrina:

Logo, quando uma sanção é prevista e ao depois aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade.Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um “mal”, objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela nocividade de sua conduta. O Direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde, não entram em pauta intentos de “represália”, de castigo, de purgação moral a quem agiu indevidamente. É claro que também não se  trata, quando em pauta sanções pecuniárias – caso das multas de captar proveitos econômicos para o Poder Público, questão radicalmente estranha à natureza das infrações e, consequentemente, das sanções administrativas (MELLO, 2013, p. 865).

Vê-se, logo, que o delineamento de determinada infração e a sua imputação a alguém passa, necessariamente, pelo atendimento de princípios básicos que, se não conformados, impedem a adequação típica do fato à norma. Estas limitações jurídicas do aplicador do direito, no caso o próprio Estado sancionador, justificam-se pela natureza sancionatória dos atos estatais praticados sob este viés do direito em contraposição ao direito fundamental de liberdade e segurança jurídica dos administrados (art. 5º da Constituição Federal).

 

3. Da Estrutura pública responsável pela formulação de políticas, normatização e supervisão do sistema de previdência complementar brasileiro

 

Antes de adentrar os aspectos mais específicos do processo fiscalizatório-administrativo exercido pela PREVIC, é curial fazermos uma demonstração do arcabouço legal que dá sustentação à estrutura pública responsável pela formulação de políticas, normatização e supervisão do sistema de previdência complementar brasileiro.

No ápice do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, no art. 202, com alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998, define as normas gerais do regime de previdência complementar, bem como normas específicas para entidades com patrocinadores públicos, previstas nos § § 3º, 4º, 5º e 6º:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

§ 1º A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.

§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.

§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.

A lei complementar a que se refere o caput do art. 202 da Constituição Federal, e que contém as regras gerais do sistema de previdência complementar, é a Lei Complementar 109, de 29/05/2001 e que revogou as Leis 6.435, de 15/7/1977 e 6.462, de 9/11/1977.

Destaca-se que a LC 109/2001 passou a utilizar no seu texto a expressão “previdência complementar” em substituição à expressão “previdência privada” utilizada na Constituição Federal, devendo as duas expressões ser consideradas como sinônimas.

A norma específica responsável por regulamentar os § § 3°, 4º, 5º e 6º do art. 202 da Constituição Federal, entre outros dispositivos, é a LC 108/2001, que prevê em seu art. 1°:

Art. 1º A relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadores de entidades fechadas de previdência complementar, e suas respectivas entidades fechadas, a que se referem os § § 3º, 4º, 5º e 6º do art. 202 da Constituição Federal, será disciplinada pelo disposto nesta Lei Complementar.

Nos termos do artigo 202 da Constituição Federal, o art. 1º da LC 109/2001 reafirma o caráter complementar, autônomo, facultativo e contratual do regime de previdência complementar:

Art. 1º O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar.

O 3º da LC 109/2001 estabelece os objetivos da ação do Estado no que se refere à previdência complementar:

Art. 3º A ação do Estado será exercida com o objetivo de:

I – formular a política de previdência complementar;

II – disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades reguladas por esta Lei Complementar, compatibilizando-as com as políticas previdenciária e de desenvolvimento social e econômico-financeiro;

III – determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades;

IV – assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios;

V – fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e aplicar penalidades; e

VI – proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.

A Lei Complementar 109/2001, estabelece, em seu art. 4º, que as entidades de previdência complementar são classificadas em fechadas e abertas e, em seu art. 5º, que a normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades das entidades de previdência complementar serão realizados por órgão ou órgãos regulador e fiscalizador, conforme disposto em lei.

Nos termos do art. 31 da LC 109/2001, as entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores, bem como aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores.

Até o advento da Lei 12.154/2009, que criou a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), as funções do órgão fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) foram exercidas, nos termos do art. 74 da LC 109/2001, pelo Ministério da Previdência Social por intermédio da extinta Secretaria de Previdência Complementar (SPC).

Com a edição da Lei 12.154/2009, foi criada nova estrutura pública responsável pela formulação de políticas, normatização e pela supervisão do sistema de previdência complementar. Essa nova estrutura é integrada pela Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC), órgão responsável pela formulação das políticas de previdência complementar, pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), cuja função é regular o regime de previdência complementar, e pela Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), à qual compete apreciar e julgar os recursos interpostos contra decisões da Diretoria Colegiada da PREVIC.

Dentre as competências previstas no art. 2º da Lei 12.154/2009, compete à PREVIC expedir instruções e estabelecer procedimentos para a aplicação das normas relativas à sua área de competência, de acordo com as diretrizes do CNPC.

Cabe destacar que no caput do art. 9º da LC 109/2001 está previsto que as entidades de previdência complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.

Contudo, cabe destacar que o § 1º do art. 9º delegou ao Conselho Monetário Nacional a atribuição de estabelecer as diretrizes para a aplicação dos recursos correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos de que trata o caput do art. 9º.

Atualmente, as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar encontram-se na Resolução CMN 3.792/2009.

Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) detém competência regulatória no que tange à aplicação no segmento de investimentos estruturados (fundos de investimentos).

No que concerne à fiscalização dos investimentos, análises atuariais e demonstrações contábeis, são particularmente relevantes as Resoluções CMN 3.792/2009, CGPC 18/2006 e CNPC 8/2011, respectivamente. A apuração de responsabilidade por infrações encontra-se regulamentada no Decreto 4.942/2003. Já a intervenção e a liquidação extrajudicial estão previstas nos arts. 42 ao 62 da LC 109/2001, aplicando-se à intervenção e à liquidação das entidades de previdência complementar, no que couber, os dispositivos da legislação sobre a intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras (Lei 6.024/1974). 

 

4. Dinâmica do Processo de responsabilização Administrativa PELA PREVIC

 

No âmbito da PREVIC, a Diretoria de Fiscalização (Difis) é responsável pelo planejamento e execução das fiscalizações presenciais dos planos de benefícios (fiscalizações on site), pelo tratamento de todos os processos relacionados a denúncias e representações, bem como pelo acompanhamento das entidades de previdência complementar fechadas (EFPC) e planos que se encontram em Regime Especial (entidades sob intervenção ou liquidação e planos de benefícios em administração especial).

Suas atividades são desenvolvidas por meio de quatro coordenações-gerais e seis escritórios regionais.

O processo de responsabilização dos jurisdicionados tem início com a lavratura do Auto de Infração (AI) geralmente pelo Escritório Regional da PREVIC. Ou seja, a primeira etapa consiste na confecção e emissão de documento que identifica a irregularidade, os responsáveis e possíveis danos. Nota-se aqui uma grande similitude com as fiscalizações exercidas pelo Tribunal de Contas da União – TCU.

Em seguida, os autuados são notificados pelo próprio órgão responsável pela autuação para apresentar defesa no prazo de quinze dias.

Após, com a apresentação das defesas ou o transcurso in albis do prazo, o processo é enviado para a Coordenação-Geral de Apoio à Diretoria Colegiada[5] que tem a atribuição regimental de zelar pela correta instrução do processo e, ao final, elaborar relatório conclusivo que deverá ser levado a julgamento perante a Diretoria Colegiada da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC)[6].

Nesse diapasão, com o julgamento realizado pela Diretoria Colegiada, tem-se a primeira instância administrativa, com a aplicação, se for o caso, de sanções. Caso haja recurso – o que ocorre como regra geral, tal processo passa a ser discutido em outra instância administrativa, a Câmara de Recursos de Previdência Complementar (CRPC), órgão da Administração Direta vinculado à Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC).

Com o julgamento pela Câmara de Recursos de Previdência Complementar, exsurge o chamado “trânsito em julgado administrativo”.

Esboçado tal panorama, passa-se a seguir a uma análise dos principais problemas ou impropriedades verificadas em algumas autuações realizadas pela PREVIC que, no entendimento dos autores, ferem os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem como princípios sensíveis ao Direito Administrativo Sancionador, v.g., tipicidade, reserva legal.

 

4.1. Violação ao princípio da legalidade: atos normativos infralegais não podem descrever condutas infracionais e cominar as respectivas sanções

 

No âmbito administrativo, o poder punitivo do Estado encontra-se estruturado sob os seguintes elementos: i) elemento jurídico: previsão legal; ii) elementos objetivos: ii.a) previsão da conduta infracional, ii.b) e respectiva sanção; iii) elemento subjetivo: autoridade sancionadora, responsável pela aplicação da sanção. Segundo os ensinamentos de Fábio Medina Osório[7], somente é possível aplicar uma sanção se estiverem presentes os mencionados elementos.

A imposição de penalidades administrativas aos particulares implica atingi-los em seus direitos individuais. Partindo desse pressuposto, a atividade punitiva estatal não pode ser compreendida sem que prevista em lei em sentido formal.

Conforme assevera Flávio Amaral Garcia, “compõem um núcleo mínimo a ser previsto em lei em sentido formal a conduta que delimite o campo daquilo que é proibido e daquilo que é permitido e a correspondente sanção a ser imputada ao administrado” [8].

Decorre daí que somente a lei pode definir infrações e cominar as respectivas multas, em obediência ao princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II, e art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, conforme aponta a doutrina[9].

O Superior Tribunal de Justiça não admite que atos normativos de densidade inferior criem ou imponham sanções aos administrados sem lastro em lei formal anterior, conforme se infere da seguinte ementa:

AGRAVO  REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.  BACEN.  INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA APLICADA COM BASE EM NORMA INFRALEGAL. ILEGALIDADE. SÚMULA 83/STJ. É imprescindível para a validade da sanção administrativa lastreada em norma infralegal a expressa previsão legal. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1560441/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 12/09/2016)

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO DE DIREITO APLICADA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – ANS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA PENALIDADE. NÃO INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO REGULAR CONTRA A PESSOA SANCIONADA E DE PRAZO DE DURAÇÃO DA SANÇÃO. OFENSA AO ART. 2o. DA LEI 9.784/99. RECURSO PROVIDO, SEM PREJUÍZO DE ULTERIOR PROCESSO ADMINISTRATIVO, OBSERVADA A GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW, DE HIERARQUIA CONSTITUCIONAL. 1.  O excepcional poder sancionador da Administração Pública, por representar uma exceção ao monopólio jurisdicional do Judiciário, somente pode ser exercido em situações peculiares e dentro dos estritos limites da legalidade formal, não havendo, nessa seara específica do Direito Administrativo (Direito Sancionador), a possibilidade de atuação administrativa discricionária, na qual vigora a avaliação de oportunidade, conveniência e motivação, pelo próprio agente público, quanto à emissão e ao conteúdo do ato. 2.  Somente a Lei, em razão do princípio da estrita adstrição da Administração à legaldiade, pode instituir sanção restritiva de direitos subjetivos; neste caso, a reprimenda imposta ao recorrente pela Agência Nacional de Saúde-ANS não se acha prevista em Lei, mas apenas em ato administrativo de hierarquia inferior (Resolução Normativa 11/2002-ANS), desprovido daquela  potestade que o sistema atribui somente à norma legal. 3.  É condição de validade jurídica da sanção administrativa  que a pessoa sancionada tenha sido convocada para integrar o processo do qual resultou o seu apenamento, em atenção à garantia do due process of Law, porquanto os atos administrativos que independem da sua observância são somente os que se referem ao exercício do poder-dever executório da Administração, não os que veiculam sanção de qualquer espécie ou natureza. 4.  Recurso provido, mas sem prejuízo da instauração ulterior de processo administrativo regular, com o estrito atendimento das exigências próprias da atividade sancionadora do Poder Público. (AgRg no REsp 1287739/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/05/2012, DJe 31/05/2012)

A Lei Complementar 109/2001, que trata do regime de previdência privada, não trouxe em seu corpo a descrição das condutas infracionais, mas, tão-somente, as espécies de penalidades passíveis de serem aplicadas, indicadas no art. 65[10]. Coube ao Decreto 4.942/2003, portanto, um ato infralegal, a incumbência de descrever as condutas infracionais nos artigos 63 a 110 e suas respectivas sanções.

Nessa linha de ideias, constata-se que as infrações administrativas imputadas pela PREVIC aos seus jurisdicionados por meio da lavratura de autos de infração carecem de base normativa e devem ser anuladas pelo Poder Judiciário.

 

4.2. Falta de critérios para autuação e/ou responsabilização dos jurisdicionados da PREVIC

 

Em respeito ao princípio do devido processo legal, faz-se necessária a existência de um processo justo, em que o acusado tenha a devida ciência da descrição/narração circunstanciada do fato tido como infração, devidamente tipificado em um dispositivo legal, cuja prática lhe é imputada.

No campo do Direito Administrativo Sancionador, a norma deve, obrigatoriamente, estabelecer tipos delitivos que guardem correlação lógica com a aplicação de sanções, que sejam proporcionais aos ilícitos administrativos cometidos ou, expresso de outra forma, tipos que correspondam às condutas que efetivamente revelem desconformidade com bens jurídicos merecedores de proteção.

Trata-se de elemento essencial de garantia para o acusado, a narração minuciosa do fato imputado ao jurisdicionado, bem como a subsunção daquele fato ao tipo legal proibitivo, sob pena de uma insegurança jurídica generalizada por parte dos jurisdicionados, ou em nível técnico ou decisório, o que acaba prejudicando a atuação diária desses profissionais.

Para se imputar infração a alguém, ainda que de cunho administrativo, é necessária adequada conformação típica do fato à norma, sob pena de se violar o basilar princípio da tipicidade e, por conseguinte, a segurança jurídica que deve resguardar a todos os administrados em um Estado Democrático de Direito[11].

No entanto, o que se tem visto no âmbito das autuações realizadas pela PREVIC é um verdadeiro esforço interpretativo para enquadrar toda e qualquer conduta ao tipo penal e à sanção, previstos no art. 64 do Decreto nº 4.942/2003, in verbis:

Art. 64.  Aplicar os recursos garantidores das reservas técnicas, provisões e fundos dos planos de benefícios em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Penalidade:  multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podendo ser cumulada com suspensão pelo prazo de até cento e oitenta dias ou com inabilitação pelo prazo de dois a dez anos

Ocorre que há necessidade de elementos objetivos mínimos na descrição sumária da infração, a fim de que seja respeitado o princípio constitucional do direito de defesa. Ademais, faz-se necessário estabelecer o nexo causal entre a conduta descrita e o resultado, bem como descortinar os elementos subjetivos dolo e/ou culpa, tudo em motivação suficiente e idônea a permitir ao autuado o pleno exercício do direito de defesa.

O que se tem identificado nos Autos de Infração elaborados pela equipe de fiscalização da PREVIC são atuações desprovidas de fatos e critérios objetivos, inexistência de nexo causal entre o fato e o dano e alta subjetividade na descrição das condutas tidas como infracionais.

Dessa falta de critérios podem decorrer injustiças, pois, ainda que o jurisdicionado venha a ser inocentado pelas instâncias julgadoras, há um custo financeiro e moral com o simples processamento da autuação, extrapolando a esfera meramente material do indivíduo autuado e alcançando e violando valores protegidos pela Constituição Federal, como o são os direitos da personalidade, tutelados pelo art. 5º, inciso X.

Reforçando a nossa percepção, o Tribunal de Contas da União em auditoria realizada na PREVIC, Acórdão TCU – Plenário 864/2016, constatou “que, em alguns autos de infração da PREVIC, que tratam de eventos aparentemente semelhantes, a responsabilidade era dividida entre cinco ou seis dirigentes, independentemente de serem qualificados como Administrador Estatutário Tecnicamente Qualificado (AETQ), e, em outros casos, tal responsabilização atingiu apenas um ou dois dirigentes, como se pode observar no Auto de Infração 15/2015 (peças 336 a 339) em confronto com Auto de Infração 19/2015 (peças 342 a 344).”

O TCU constatou que há uma fragilidade na identificação de responsabilidades, possibilitando a aplicação de punições desproporcionais ou até mesmo a não efetiva responsabilização de gestores/dirigentes participantes de decisões que geraram prejuízo para os fundos de pensão.

Nesse sentido, qualquer acusação administrativa que possa gerar penalidade deve satisfazer a requisitos mínimos para a sua validade. Caso contrário, a nulidade é medida que se impõe.

Há a necessidade de sistematização das condutas e sanções previstas em lei de forma a correlacionar cada conduta ilegal à respectiva sanção, facilitando a compreensão dos jurisdicionados sobre a relação entre condutas e sanções a que estão sujeitos.

No entendimento da equipe de fiscalização da PREVIC, pelo menos nos autos de infração analisados pelos autores, toda e qualquer conduta tida por aquela equipe como infracional está sujeita ao tipo legal previsto no art. 64 do Decreto nº 4.942/2003.

Fábio Medina Osório registra que, sem a garantia da tipicidade, os cidadãos atingidos ou potencialmente afetados pela atuação sancionatória estatal ficariam expostos às desigualdades, a níveis intoleráveis de riscos de arbitrariedade e caprichos dos Poderes Públicos. Por isso o princípio é fundamental para delimitar o campo mínimo de movimentação dos Poderes Públicos.

Nas palavras dos autores Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Flávio Amaral Garcia[12], exige-se, portanto, coerência e unidade de critérios para que se garanta a imprescindível segurança jurídica aos cidadãos, notadamente quando se pretende tipificar comportamentos proibidos e apená-los, admitindo que a liberdade e o patrimônio dos particulares possam ser constrangidos.

 

5. MODELO DE RESPONSABILIZAÇÃO ADOTADO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, UM PONTO DE PARTIDA PARA A PREVIC

 

Inegavelmente, o Tribunal de Contas da União – TCU é um órgão reconhecido pela alta competência de seu corpo técnico e pelo contínuo aperfeiçoamento dos seus instrumentos de controle e processos de trabalho.

Nesse sentido, ainda que possam ocorrer falhas de responsabilização no âmbito do TCU, entende-se como positivo que a PREVIC adote os critérios de responsabilização adotados por aquela Corte de Contas, considerando a natureza administrativa de ambos os órgãos.

Para auxiliar na adequada responsabilização dos seus jurisdicionados o TCU, por meio da Portaria Segecex nº 26, de 19 de outubro de 2010, exige que os seus auditores preencham uma matriz de responsabilização, identificando os achados (irregularidades), individualizando os responsáveis e o período de exercício no cargo, a conduta, o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado ilícito e, por fim, a culpabilidade.

 

Matriz de Responsabilização adotada pelo TCU


A Matriz de Responsabilização deve ser preenchida sempre que houver achados que se constituam em irregularidades e somente para esses achados. Aplica-se esta matriz também para os responsáveis solidários, que devem sempre ser arrolados desde o início do processo, inclusive para fins de audiência ou citação. É fundamental que o período de responsabilização seja exato, já que a responsabilização torna-se inadequada se o fato ocorrer durante as férias ou licença do gestor. Observar que podem ser responsabilizadas equipes, tais como comissões de licitação, identificando-se individualmente seus componentes e pessoas jurídicas integrantes ou não da administração pública.

Ao preencher o campo “conduta”, a equipe deve avaliar a necessidade de juntar norma do órgão/entidade que especifique as atribuições dos cargos (Estatuto, Regimento Interno etc.). Para cada conduta irregular deve-se preencher uma linha da matriz.

Em relação ao nexo de causalidade, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes causais, a equipe pode, hipoteticamente, retirar do mundo a conduta do responsável e se perguntar se ainda assim o resultado teria ocorrido e, caso positivo, se teria ocorrido com a mesma gravidade. A inexistência de nexo de causalidade significa que o gestor não pode ser responsabilizado pelo resultado.

Para preenchimento do campo “culpabilidade”, devem-se responder as seguintes perguntas:

  1. Houve boa-fé do gestor?
  2. O gestor praticou o ato após prévia consulta a órgãos técnicos ou, de algum modo, respaldado em parecer técnico?
  3. É razoável afirmar que era possível ao gestor ter consciência da ilicitude do ato que praticara?
  4. Era razoável exigir do gestor conduta diversa daquela que ele adotou, consideradas as circunstâncias que o cercavam? Caso afirmativo, qual seria essa conduta?

Nos autos de infração autuados pela PREVIC e analisados pelos autores não foi constatada uma sistematização tal qual exigida pelos padrões de auditoria do TCU. Assim, em homenagem ao direito ao devido processo legal, entende-se que a adoção pela PREVIC de uma matriz de responsabilização tal qual a adotada pelo TCU poderia minimizar as subjetividades e ilegalidades verificadas nas autuações daquela respeitável entidade.

 

6. Conclusão

 

O objetivo principal do presente artigo foi demonstrar a necessidade de aprimoramento dos critérios de responsabilização adotados pela equipe de fiscalização da PREVIC, respeitados os direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Percebeu-se uma subjetividade exacerbada nos autos de infração lavrados por aquela respeitável autarquia, bem como a descrição genérica de condutas, falta de nexo de causalidade entre as condutas tidas como infracionais e o resultado ilícito etc.

Por fim, sugere-se, como ponto de partida que aquela autarquia adote os padrões de auditoria utilizados pelo TCU para a responsabilização dos seus jurisdicionados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BERMAN, Vanessa Carla Vidutto. Processo administrativo fiscal previdenciário. São Paulo: Ed. LTr, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros.

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. GARCIA, Flavio Amaral. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 28, novembro/dezembro/janeiro, 2011/2012. Disponível na Internet: < http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-28-NOVEMBRO-2011- DIOGO-FIGUEIREDO-FLAVIO-GARCIA.pdf>. Acesso em: 18 de setembro de 2016.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. Ed. São Paulo: ed. RT, 2005.

TRICHES, Alexandre Schumacher. Direito processual administrativo previdenciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

Tribunal de Contas da União – TCU. Acórdão TCU. Plenário nº 864/2016.

Tribunal de Contas da União – TCU. Portaria-Segecex nº 26. de 19 de outubro de 2009.


 

[1] Advogado em Brasília – DF.

Possui graduação em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (2009), graduação em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília (2003), especialização em Contabilidade Pública e Auditoria Governamental pela Universidade de Brasília (2006) e especialização em Direito, Estado e Constituição pela Universidade Candido Mendes (2013). Ex-Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União – TCU.

Atualmente é Procurador do Distrito Federal da Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

[2] Advogado em Brasília – DF.

Possui graduação em Ministério Público e Ordem Jurídica (2008). Ex-Procurador Federal na Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União.

Atualmente é Procurador do Distrito Federal da Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

[3] Advogado em Brasília – DF.

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL (2007). Ex-Advogado da União (AGU), com atuação no contencioso judicial, consultivo e na Corregedoria-Geral da Advocacia da União. Atualmente, é Procurador do Distrito Federal da Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público e Direito do Trabalho.

[4] Nos termos do art. 1º, caput, da Lei nº 12.154/2009 a PREVIC consubstancia “autarquia de natureza especial, dotada de autonomia administrativa e financeira e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Previdência Social, com sede e foro no Distrito Federal e atuação em todo o território nacional”.

[5] Art. 33, III, “a”, do Regimento Interno da PREVIC.

[6] Art. 34, IV, e art. 11, III, ambos do Regimento Interno da PREVIC.

[7] http://www.direitodoestado.com/revista/redae-28-novembro-2011-diogo-figueiredo-flavio-garcia.pdf.

[8] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 80-97.

[9] Podemos citar os seguintes doutrinadores: VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 84; JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 1008; SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 121; CUÉLLAR, Leila. Introdução às Agências Reguladoras Brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 69.

[10]  Art. 65. A infração de qualquer disposição desta Lei Complementar ou de seu regulamento, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita a pessoa física ou jurídica responsável, conforme o caso e a gravidade da infração, às seguintes penalidades administrativas, observado o disposto em regulamento: I – advertência; II – suspensão do exercício de atividades em entidades de previdência complementar pelo prazo de até cento e oitenta dias; III – inabilitação, pelo prazo de dois a dez anos, para o exercício de cargo ou função em entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras, instituições financeiras e no serviço público; e IV – multa de dois mil reais a um milhão de reais, devendo esses valores, a partir da publicação desta Lei Complementar, ser reajustados de forma a preservar, em caráter permanente, seus valores reais.

[11] Art. 5º, II, da CF: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[12] http://www.direitodoestado.com/revista/redae-28-novembro-2011-diogo-figueiredo-flavio-garcia.pdf

Dr. Idenilson Lima da Silva
Dr. Idenilson Lima da Silva

idenilsonlima@gmail.cm

Advogado em Brasília – DF. Graduado em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (2009) e especialização em Direito, Estado e Constituição pela Universidade Candido Mendes (2013). Ex-Auditor do TCU. Procurador do Distrito Federal da Procuradoria-Geral do Distrito Federal – PGDF.

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